sábado, 9 de abril de 2011

Fora Da Caridade, Não Há Salvação


          Em busca de uma vida melhor, de um “daqui a pouco”, melhor que o agora, a máxima “Fora da caridade não há salvação” é a diretriz que supera qualquer manual corporativo, estratégia de mercado, ou fundamentalismo diferente.

Surge para dar sentido mais preciso à formulação anterior: “Fora da igreja não há salvação”, que mantinha a salvação, ou um futuro melhor, apenas no alcance de determinados cristãos, seguindo determinados dogmas.

Vamos entender melhor de onde surgiu a máxima: “Fora da Igreja Não Há Salvação”.

Se partirmos de um passado mais próximo, lembraremos que durante as eleições presidenciais, no ano passado, um dos debates que ganhou destaque na atenção da mídia e nas discussões públicas, foi o posicionamento, a favor ou contra, dos então candidatos, no que se referia à legalização do aborto. Houve tentativa de movimentos articulados entre os grupos religiosos, demonstrando que a política e a religião, não andam assim tão separados como se imagina.

Quando retrocedemos ainda mais no tempo, recordamos períodos em que a relação do poder com a religião, principalmente, balizada na igreja católica, era ainda mais intensa e conflitante. Desde a legitimação do cristianismo, a partir do imperador Constantino, o Império Romano pretendia, através de uma aliança com a religião cristã, difundir um império universal, que se impusesse sobre tudo e todos.

A relação entre o império e a igreja passou por vários conflitos, numa queda de braços ininterrupta. Até que, no século XIII, num momento em que a Europa Ocidental vive um momento de prosperidade, através do crescimento das manufaturas e do comércio, a igreja corre o risco de ser relegada ao segundo plano. Aliás, até hoje é comum procurarmos o templo, somente no momento de crise. Enquanto isso, com o avanço da economia, a monarquia ganhava força.

Foi então, que numa atitude política, com o intuito de reconquistar a posição de outrora, a igreja representada pelo Para Inocêncio III, convocou um concílio que reuniria mais de 1200 líderes das igrejas, representando mais de 80 províncias. O Concílio de Latrão. O resultado desse encontro foi a divulgação de 70 cânones que faziam frente aos problemas internos da Igreja. Através de um novo projeto jurídico de organização. Criaram leis sobre questões civis e organização da sociedade. Estabeleceram a igreja católica como provedora da vida social e da salvação, ao mesmo tempo em que recomendaram punições aos que não compartilhassem das mesmas crenças. Lei severa, com conseqüências, ao mesmo tempo, religiosas e civis.

Entre todos os 70 cânones, um se faz especial para esse estudo, é aquele que dizia  entre outras coisas que “Fora  da igreja, não há salvação”. Resumindo todo o pensamento eclesiástico, daquele tempo, inibindo e punindo outras possibilidades de se levar a vida.

Para nossa felicidade, o destino de espírito está na vontade de Deus e não nas idéias de alguns homens. Mas com passar dos anos, outras vertentes religiosas pretenderam para si, a mesma glória. Surgiram também correntes filosóficas que tentaram, inutilmente, acabar com a idéia de Deus. Como se Ele fosse deixar de existir só porque a gente, em algum momento, não acredita. As novas religiões, as novas filosofias levaram até a máxima de que “Fora da Verdade Não Há Salvação”.

Ora, se cada um de vocês que me ouve fosse representante de uma igreja ou idealismo diferente e eu perguntasse, com qual de vocês está a verdade, tenho certeza de que cada um levantaria a mão e diria convicto “comigo”. Mesmo que a verdade estivesse com um de vocês, todos os outros estariam excluídos da salvação. Então, nem a primeira “Fora da Igreja Não Há Salvação”, nem a segunda que “Fora da Verdade Não Há Salvação” refletem a idéia de um Pai amoroso, justo e bom, que pretende para todos, mesmo os desprovidos de instrução a possibilidade de vencer as barreiras que impedem a chegada a tempos melhores.

Para nosso alívio, a marcha constante nos leva ao amadurecimento das idéias, até que Kardec, codificador da Doutrina Espírita, orientado pelos mensageiros do bem, vem nos esclarecer acerca da Lei de Amor. E é assim, que nos recobra duas idéias fundamentais para entender o verdadeiro meio de salvação. A primeira nos é apresentada, por Jesus, como mandamento maior:

“Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”;

A segunda nos alerta para a maneira como cumprir o mandamento maior:

“Todas as vezes que fizerem o bem para um dos teus irmãos, a mim mesmo o fizeste” e por conseqüência “Todas as vezes que faltastes com a assistência a um destes mais pequenos, deixastes de tê-la para comigo mesmo”.

Assim, o caminho para a salvação nos é apresentado de maneira clara. Se a máxima moral é a prática da caridade, através do amor, e não podendo amar a Deus e faltar com a caridade para com o próximo a conclusão que se tira da lei moral ensinada por Jesus é que não é possível amar a Deus e faltar a caridade para com o próximo, logo “Fora da Caridade Não Há Salvação”.

Vejamos que não se trata apenas de acreditar, nisso ou naquilo. Cumprir esse ou aquele ritual, mas somente através da prática da caridade é que podemos cumprir o mandamento maior. Assim, não há nenhuma doutrina que possa se afirmar como a possibilidade única, já que o futuro da criatura humana depende do amor que possa por em ação.

Lembramos-nos que Paulo de Tarso, na epístola aos coríntios, atribui importância maior a caridade, do que a própria fé, ao afirmar: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade. Mas a maior destas é a caridade" Será então que a fé não é importante?

Como nos ensinou Joanna de Angelis, “a fé é uma atitude de segurança íntima”, a impor-se de dentro para fora. Desenvolvida de acordo com progresso intelectual e moral que pudermos arrecadar. Por isso mesmo, se apresenta em estágios diferentes. Reduzir a salvação somente àqueles que desenvolveram a contento a fé, seria tirar a salvação do alcance de muita gente. Já a caridade está ao alcance de todos. É possível ao homem de grande formação intelectual e ao servo humilde que pratica o bem, da maneira que pode.

Há, ainda, outro motivo pelo qual a caridade é indispensável para a construção de um futuro melhor. Ainda de acordo com Paulo de Tarso a fé “é posse antecipada” daquilo que pretendemos alcançar. Mas para chegarmos até lá, é preciso que façamos algo. Vejamos a anedota abaixo:

O caipira e o Fazendeiro
O fazendeiro estava interessado nas terras do caipira, que estavam à venda.
- Essa terra da milho? Pergunta o fazendeiro.
- Num dá num senhor.
- Da amendoim?
- Também num senhor.
- Da soja?
- De jeito maneira!
- Da arroz, Feijão, cereais?
- Nada de nada!!!
- Então quer dizer que não adianta plantar que não dá nada?
- Bom, plantando é outra coisa, ai dá né!

Por mais que seja simplista e cômica, a anedota acima explica muito bem porque é necessário plantar. Cada um de nós que tenha em mãos um punhado de sementes, sabe que se escolher bem o terreno, utilizar adubo, regar de maneira adequada e tiver paciência, terá, em breve, bom resultado do plantil. Mas não basta ter essa certeza, ou essa fé ociosa, é preciso plantar! Só assim será construído o futuro que se espera.

Muitas vezes, ainda confundimos cumprir a vontade de Deus, com o ato de tentar não fazer o mal. Adotamos a máxima: “Não faça ao outro o que não gostaria que ele vos fizesse”. No Espiritismo,  conhecemos a Lei de Causa e Efeito, no entanto, muitas vezes, também nos contentamos em evitar o mal. Esquecemos todos que o mal também é a ausência do bem. Assim, mesmo quando aceitamos resgatar as dívidas do passado, por vezes, esquecemos de plantar a glória do futuro.

Há doutrinas em que o arrependimento basta. Há outras em que basta a crença e o cumprimento de rituais. Há até as doutrinas em que o mais importante é o nada, quando se entende o Nirvana, de maneira equivocada. Em todas elas, o homem é muito pouco e não terá a chance de ser mais do que isso. O espiritismo, consolador prometido, nada teria de consolador se apenas viesse justificar o porquê de sofrermos. O que adiantaria dizer para uma mãe, que seu filho desencarnou antes de aprender a falar, porque ele assim o merecia? Adiantaria dizer que apesar da aparência, aquela criança não é inocente? Até aí, aonde está o consolo?

O verdadeiro consolador é aquele que demonstra que o sofrimento é a lição que nós precisamos, não só para reparar o passado, mas principalmente para aprender a construir um futuro melhor. Assim, vamos adotar uma máxima mais ativa: “Fazer todo o bem que nos for possível e que desejáramos nos fosse feito”, nos aproximando do sentido amplo da caridade: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”

Para nosso deleite, a leitura se encerra com a luz que nos lança Auta de Souza.

“Nas lutas do dia-a-dia,
Caridade é o passaporte
Para as mansões da alegria
Que brilham depois da morte.”